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18 de jun

A JORNADA DE TRABALHO DOS MOTORISTAS E A COMPATIBILIDADE DO ART. 62, I DA CLT COM O PREVISTO NA LEI 12.619/2012 E NA RESOLUÇÃO CONTRAN 405/2012.

JULIANO MARTINS MANSUR

1)    Introdução

As estatísticas mostram que entre os anos de 2001 e 2011, morreram mais de 40 mil pessoas vitimas de acidentes de transito nas estradas brasileiras . Muitas mortes são causadas por acidentes envolvendo motoristas de transportes de cargas. Tais trabalhadores, com o intuito de concluir com mais rapidez o seu percurso, seja para reencontrar seus familiares, para cumprir os prazos prometidos ou para realizar novos trajetos, conduzem os veículos de maneira imprudente, continua e não raro sob efeitos de substancias entorpecentes que os mantenham acordados.

A Lei 12.619/2012 e a posterior Resolução do Conselho Nacional de Transito (Contran) trouxe uma série de dispositivos que impõe limites ás exaustivas jornadas de trabalho realizadas pelos motoristas profissionais, notadamente, aquelas realizam transporte de cargas em caminhões e carretas. Os dispositivos possuem como primordial função garantir a realização de jornadas de trabalho dignas e seguras, preservando não somente a saúde dos motoristas e ajudantes de motoristas, assim como a vida dos demais usuários das rodovias brasileiras.

Os avanços consistem, entre outros, na regulação do tempo de direção e descanso dos motoristas, com a criação de jornada especial de trabalho. Foi regulado ainda, de forma inédita na legislação, o denominado tempo de espera, compreendido como o período em que o veículo fica parado, seja nas barreiras fiscais ou no aguardo de carga ou descarga, sem que isso implique pagamento de hora extra. A infração às novas regras comportam pesadas multas aos motoristas infratores.

As empresas que possuem empregados que realizam viagens interestaduais, normalmente com pernoite, notadamente, não possuem meios de controlar a jornada de trabalho de seus empregados. Portanto, tais trabalhadores são contratados pelo regime previsto no art. 62, I da CLT, na categoria de empregados externos com a incompatibilidade do controle da jornada de trabalho. Logo, neste artigo discutiremos se a nova Lei dos motoristas é compatível com a contratação pelo regime diferenciado disposto na CLT.

2)    Jornada de Trabalho no Direito do Trabalho Brasileiro

O vocábulo giornata, em italiano, significa dia. Em francês, utiliza-se a expressão jour, dia; journée quer dizer jornada e jornada quer dizer tudo aquilo que é diário.

Dessa Forma, a jornada de trabalho na concepção atual diz respeito ao número de horas diárias, semanais ou mensais de trabalho que o trabalhador presta ao seu estabelecimento laboral. O horário de trabalho é o espaço de tempo em que o empregado presta serviços ao patrão, contando do momento em que se inicia até o seu término, não se computando o período de intervalo.

É interesse do Estado Brasileiro limitar a jornada de trabalho, de modo que o trabalhador possa descansar e não venha prestar serviços em largas jornadas. Por tais motivos, os incisos XIII e XIV do art. 7º, da Constituição Federal garantem a todo trabalhador uma jornada de trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, e de seis horas diárias para o trabalho realizado em turnos de revezamento, salvo, neste caso, ressalva em eventual negociação coletiva. A referência efetuada a acordos ou convenções coletivas de trabalho é para o propósito de diminuição da jornada e jamais de aumento.

Nessa linha de raciocínio, via de regra, qualquer jornada superior aos limites impostos pela Lei Maior Brasileira, devem ser remunerados como horas extras, sempre com o adicional legal mínimo de 50%, também trazido pelo art. 7º XVI.

Os trabalhadores encontram-se ainda sob a égide de outros limitadores de jornada, qual seja a obrigação de um intervalo mínimo de 11 horas entre uma jornada e outra de trabalho e a obrigação de concessão de um repouso para descanso e alimentação de no mínimo 1 e no máximo duas horas para todo e qualquer trabalho cuja jornada for superior à 08 horas diárias de trabalho.

3)    Controle da Jornada de Trabalho

Sabemos que a jornada de trabalho é o lapso temporal diário, semanal ou mensal em que o trabalhador presta serviços ou se coloca à disposição total ou parcial do empregador, incluídos ainda nesse lapso os chamados intervalos remunerados. Como se percebe da própria definição  da figura jurídica, para que se afira, no plano concreto, uma jornada de trabalho efetivamente prestada, é necessário que exista um mínimo controle ou fiscalização sobre o tempo de trabalho ou de disponibilidade perante o empregador. Trabalho não fiscalizado ou controlado minimamente é insuscetível de propiciar a aferição da real jornada laborada pelo obreiro e, por conseguinte de propiciar a aferição da prestação (ou não) de horas extraordinárias pelo trabalhador. Por essa razão é que distingue o Direito do Trabalho entre jornadas submetidas a controle empresário e jornadas não submetidas a esse efetivo controle.

As primeiras (jornadas controladas) podem ensejar a prestação de horas extraordinárias, caso evidenciada a extrapolação da fronteira temporal regular da jornada padrão incidente sobre o caso concreto (8 horas diárias e 44 horas semanais).  Essa é a regra geral vigente no ordenamento jurídico do Brasil. Nesse caso, qualquer trabalho superior às jornadas tipificadas na Constituição seriam suscetíveis de pagamento de horas extras com o seu respectivo adicional .

As segundas (jornadas não controladas) não ensejam o cálculo de horas extraordinárias, dado que não se pode aferir sequer a efetiva prestação da jornada padrão incidente sobre o caso concreto.

A ordem jurídica reconhece que a aferição de uma efetiva jornada de trabalho cumprida pelo empregado supõe um mínimo de fiscalização e controle por parte do empregador sobre a prestação concreta dos serviços ou sobre o período de disponibilidade perante o empregador. O critério é estritamente prático: trabalho não fiscalizado nem minimamente controlado é insuscetível de propiciar a aferição da real jornada laborada pelo obreiro – por essa razão é insuscetível de propiciar a aferição da prestação (ou não) de horas extraordinárias pelo trabalhador. Nesse quadro, as jornadas não controladas não ensejam o cálculo de horas extraordinárias, dado que não se pode aferir sequer a efetiva prestação da jornada padrão incidente sobre o caso concreto. Critério prático – reconhecido pelo direito enquanto síntese de lógica e sensatez socialmente ajustadas.

Dois tipos de empregados são indicados pela Consolidações das Leis do Trabalho (CLT) como inseridos em uma situação empregatícia tal que torna-se inviável um efetivo controle e fiscalização sobre o cotidiano de suas jornadas laboradas: (i) os trabalhadores que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho (Art. 62, I da CLT); e dos gerentes, estes desde que exercentes de cargos de gestão e recebedores de acréscimo salarial superior a 40% do cargo efetivo (art. 62, II e parágrafo único da CLT).

Importante salientar, no entanto, que CLT apenas criou uma presunção – a de que tais empregados não estão submetidos, no cotidiano laboral, a fiscalização e controle de horário, não se sujeitando, pois, à regência das normas sobrejornada de trabalho. Desse modo, havendo prova firme (sob ônus do empregado) de que ocorria efetiva fiscalização e controle sobre o cotidiano da prestação laboral, fixando fronteiras claras à jornada diária laborada, afasta-se a presunção legal instituída, incidindo o conjunto das regras clássicas concernentes à jornada de trabalho e consequentemente impondo o pagamento de horas extras à empresa. No tocante aos empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho (tal circunstância deve ser anotada na CTPS e no registro de empregados: inciso I, art. 62, CLT), a presunção atinge, por exemplo, vendedores pracistas, vendedores viajantes, motoristas carreteiros e outros empregados posicionados em situação similar.

4)    Pagamento de horas extras ou a contratação dos motoristas pelo regime do art. 62, I da CLT.

Como dito alhures, a Constituição da Republica Federativa do Brasil em seu art. 7º XIII, prevê como jornada máxima de trabalho permitida no Brasil um total de 08 horas diárias e 44 horas semanais. Admite-se, porém, a realização de no máximo duas horas extras por dia de trabalho, sempre com o pagamento do adicional de no mínimo 50% calculado sobre a hora normal de trabalho.

Nessa esteira, duas soluções se apresentam como alternativas para a contratação dos motoristas:

5) Realização do trabalho com pagamento total das horas extras e adicional.

Caso ocorra o efetivo controle de jornada, a empresa contratante deverá arcar com as horas extras diárias e semanais efetuadas pelos empregados.

Todavia, ainda que se opte pela contratação dos empregados no regime ordinário de controle de jornada, com regular pagamento de horas extras, é imperioso ressaltar que o ordenamento jurídico pátrio limita a jornada ao máximo de 10 horas diárias trabalhadas. A violação de tal limiar poderá resultar na aplicação de penalidades pelos órgãos de fiscalização do trabalho existentes no Estado Brasileiro, notadamente, os Sindicatos de Classe, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho, mesmo que a empresa remunere de maneira integral as horas extras dos empregados.

Explica-se: Muito embora a empresa cumpra com seus deveres junto ao empregado, remunerando todo o labor extraordinário por este exercido, o dispositivo legal que disciplina as horas extras, qual seja o art. 59 da CLT, prevê o limite de máximo de 02 horas extras diárias calculadas após a oitava trabalhada. A irregularidade na prorrogação pode gerar sanções administrativas específicas para o empregador faltoso (art. 75, CLT).

6)  Contratação pelo Regime previsto no art. 62, I da CLT.

A classe dos motoristas possui peculiaridades que podem inserir seus componentes, perfeitamente, na categoria das jornadas “não controladas”, dentre as quais aquela prevista no art. 62, I da CLT que define, como já mencionado, a impossibilidade de controle de jornada por absoluta incompatibilidade com a natureza do trabalho.

“Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;

Assim, desde que não haja controle efetivo da jornada e dos trajetos dos motoristas, esses trabalhadores não estão sujeitos às jornadas legais de trabalho previstas na CRFB/88 e nas demais legislações. Logo, não recebem as horas extras efetivamente laboradas.

Discute-se ainda se os mecanismos de controle de trafego e segurança, tais como tacógrafos, GPS e telefone celular são capazes de desnaturar o regime imposto pelo art. 62, I da CLT. O entendimento predominante no Judiciário Pátrio é de que a simples existência de tais mecanismos não traduz, por si só, o controle de jornada. É o que se observa na Orientação Jurisprudencial nº332 do Tribunal Superior do Trabalho.

“O tacógrafo, por si só, sem a existência de outros elementos, não serve para controlar a jornada de trabalho de empregado que exerce atividade externa”.

7)    Compatibilidade do art. 62, I da CLT com o previsto na Lei 12619/2012 e na Resolução CONTRAN 405/2012.

Recentemente, foi promulgada a Lei 12.619/12 que regula o exercício profissão dos motoristas profissionais. De maneira continua, o Conselho Nacional de Transito editou a Resolução nº 405/2012, regulamentando a forma como os poderes de policia do Estado fiscalizarão o cumprimento da referida Lei.

Por trazer consigo, limitações de tempo ao volante e respectivo descanso ao motoristas profissionais, discutiu-se a sobrevivência do regime previsto no art. 62, I da CLT.

Entendemos que os institutos são absolutamente compatíveis. Primeiramente, a lei refere-se apenas aos motoristas profissionais, entendidos como tal aquelas que possuem formação profissional para o transporte coletivo de passageiros, ou seja, aqueles com carteira de habilitação com qualificação “D” e “E” e não aquelas contratadas pela categoria “B”.

B – Veículos automotores e elétricos, de quatro rodas cujo peso bruto total não exceda a três mil e quinhentos quilogramas e cuja lotação não exceda a 08 (oito) lugares, excluído o do motorista, contemplando a combinação de unidade acoplada, reboque, semi-reboque ou articulada, desde que atenda a lotação e capacidade de peso para a categoria.

D – Veículos automotores e elétricos utilizados no transporte de passageiros, cuja lotação exceda a 08 (oito) lugares e, todos os veículos abrangidos nas categorias “B” e “C”.

E – Combinação de veículos automotores e elétricos, em que a unidade tratora se enquadre nas categorias “B”, “C” ou “D”; cuja unidade acoplada, reboque, semi-reboque, articulada, ou ainda com mais de uma unidade tracionada, tenha seis mil quilogramas ou mais, de peso bruto total, ou cuja lotação exceda a oito lugares, enquadrados na categoria trailer, e, todos os veículos abrangidos pelas categorias “B”, “C” e “D”.

Além disso, as limitações de horário e intervalos dispostas na Lei 12.619/12 e na Resolução CONTRAN 405/12 traduzem regras de segurança no transito, sendo do motorista a responsabilidade por seguir as limitações impostas e não sendo da empresa a obrigação em fiscalizar a obediência à legislação, o que iria de encontro à exegese do art. 62, I da CLT. Prova disso é o disposto na nova redação do art. 67 –C do CTB, trazida pela Leu 12.619/12.

“O motorista profissional na condição de condutor é responsável por controlar o tempo de condução estipulado no art. 67-A com vistas na sua estrita observância.

Parágrafo Único: O condutor do veiculo responderá pela não observância dos períodos de descanso estabelecidos no art. 67-A ficando sujeito às penalidades daí decorrentes previstas neste Código.”

Corroborando esse entendimento, importante ressaltar que a competência para legislar sobre Direito do Trabalho é exclusiva da União, não havendo competência para o Conselho Nacional de Transito, através da Resolução supra identificada, impor limites de jornada aos motoristas empregados, no que se refere à relação dos mesmos com seus empregadores.

8)    Soluções alternativas

Existem, no ordenamento jurídico pátrio, algumas soluções alternativas para a redução do efetivo gasto com as horas extras, caso ocorra o efetivo controle da jornada dos empregados.

(i) a pactuação do regime de revezamento, com escalas de trabalho de 12 horas, intercaladas com 36 horas de descanso – A adoção de tal regime somente é permitida mediante acordo coletivo com o Sindicato profissional.

(ii) a adoção do regime de compensação de horário de trabalho através de banco de horas, onde as horas extras prestadas num dia seriam compensadas com redução da jornada ou folgas em outros dias de trabalho – Entendemos, porém, que apenas para os motoristas que desempenham serviços em até 10 horas diárias pode-se aplicar o regime de compensação de jornada, pois este é o limite permitido pelo dispositivo legal que disciplina a compensação de jornada. Além disso, a adoção deste regime depende de previsão em convenção coletiva.

9)    Conclusão

Assim, encerrasse com a opinião de que o artigo 62, I da CLT sobrevive plenamente com a Lei 12619/2012 e na Resolução CONTRAN 405/2012 eis que tais dispositivos legais não são pertinentes à regular a jornada de trabalho entre patrões e empregados, mas apenas regras de segurança no transito, a serem cumpridas pelos motoristas, sem a interferência de seus patrões e fiscalizadas pelos órgãos de controle de transito, como as Policias Rodoviárias Estaduais e a Policia Rodoviária Federal.

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