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13 de abr

Por Scilio Faver

A revelia deve ser conceituada como simplesmente a ausência de contestação pelo réu devidamente citado no processo. Tal conceito abarca também a apresentação de peça intempestiva, uma vez que mesmo considerando faticamente existente uma petição de resistência, o não cumprimento da formalidade para a prática do ato processual – neste caso, o respeito ao prazo – faz com que, juridicamente, não se possa falar em existência de contestação. Portanto, o que se terá é a ausência de resposta típica do réu na relação jurídica processual regularmente estabelecida através da citação válida.

Daquilo que se denomina tecnicamente como revelia, poderão decorrer alguns efeitos, mormente de cunho material e processual. Porém, é de se destacar, desde logo, que não se pode relacionar de forma indissociável a existência da revelia com a ocorrência automática dos seus efeitos. Ou seja, a existência da revelia (como sendo a ausência de contestação) e a geração de efeitos decorrentes dela, requer uma análise mais aprofundada da situação do processo.

Dentre os efeitos que podem ser gerados pela revelia, exemplificam-se (a) a presunção de veracidade sobre as alegações formuladas pelo autor (art. 344 do CPC) e (b) a possibilidade de julgamento antecipado do mérito (art. 355, II do CPC). Importante se atentar que a redação do CPC (assim como no CPC/73) não aplica adequadamente o conceito de revelia ao mencionar o curador especial ao “réu revel”. Ora, aquele que foi citado por edital e que, por lei, passa a ter seus interesses tutelados pelo chamado curador especial que, por consequência, apresentará defesa (ainda que por lei se permita neste caso a negativa genérica), não pode ser chamado de revel. Por mais que o réu não tenha agido diretamente, a contestação existirá juridicamente através da apresentação da peça de defesa pelo curador especial, a quem a lei atribui tal função. E ainda, a contestação apresentada pelo curador especial (ainda que por “negação geral” já que a lei assim permite) já torna necessária a observância do ônus probatório, fazendo com que o autor permaneça com a incumbência de provar os fatos constitutivos do seu direito. No entanto, se o réu, tomando ciência da citação ficta, comparece ao processo e não apresenta contestação está totalmente incurso na revelia, uma vez que tomou posição na relação triangular do processo, de modo que lhe foi cientificado sobre a possibilidade da prática do ato mas que por alguma razão, não o fez.

Em relação a presunção de veracidade sobre as alegações de fato formuladas pelo autor, é de se relembrar que existem determinados fatos que não podem (ainda que diante da revelia) serem considerados verdadeiros, devendo o autor (mesmo diante da revelia) especificar a produção de prova para convencer o julgador sobre a ocorrência do fato. Na verdade, a situação é a de aplicação ordinária da distribuição do ônus probatório referido no art. 373, I do CPC, que ainda diante da revelia, passaria, nestes casos (em que se afasta a presunção relativa que a revelia poderia trazer), a ter que ser observado. Assim, nos casos em que a própria legislação afasta a presunção de veracidade, mesmo quando não impugnadas (o que torna-se evidente diante do conceito já visto da revelia), caberá o julgador permitir prazo para o autor especificar provas e se não o fizer, em adoção a distribuição do ônus probatório, poderá sofrer consequência desfavorável aos seus interesses no processo.

Situação interessante é a que consta no art. 345, I, que também afasta o efeito da presunção de veracidade das alegações do autor, nos casos de litisconsórcio passivo, se algum dos litisconsortes apresentar a contestação. Aqui, deve-se trabalhar na interpretação conjunta deste dispositivo, com o art. 117 (que trata dos efeitos decorrentes da classificação do litisconsórcio), sob pena de uma contradição dentro do próprio ordenamento. Na hipótese de litisconsórcio unitário, quando diante de uma relação jurídica incindível, parece lógico, que a defesa apresentada por um dos litisconsortes aproveitaria o réu revel, uma vez que, pela relação discutida, a lide será resolvida de maneira idêntica a todos os réus. Cumprindo assim um dos litisconsortes a impugnação das alegações do autor, o outro litisconsorte passivo, porém revel, se beneficiaria com o ato praticado (não sendo o caso da presunção de veracidade das alegações do autor). Porém, em se tratando de litisconsórcio simples, pela relação jurídica existente, não se determina um julgamento idêntico a todos os réus, não parece lógica a aplicação automática do art. 345, I, devendo ser precedida de análise da defesa apresentada por um dos litisconsortes. Se, na defesa apresentada por um dos réus, se tocar em questão (ponto controvertido) que aproveite necessariamente os demais (o que afasta aquelas exceções puramente pessoais), não há razão para não afastar a presunção de veracidade das alegações do autor e seguir-se à instrução e dilação probatória, cada qual com o seu natural ônus. Deste modo, apenas quando a impugnação feita na contestação apresentada por um dos réus puder aproveitar a situação daquele(s) que não apresentar(am), e nos seus respectivos limites daquilo que se puder aproveitar, é que se entenderá como viável a aplicação do dispositivo que afasta o efeito da revelia (art. 345, I).

Já o efeito processual, consistente na possibilidade de julgamento antecipado do mérito, para ocorrer, também exige como requisito a presunção de veracidade dos fatos do autor (isto é, sem que seja, ainda diante de uma revelia, necessária a produção de provas) e que, conjuntamente o réu, mesmo revel, não tenha, em tempo hábil, requerido a produção de prova. Justamente, neste aspecto é que o atual Código de Processo Civil, consagra em texto legal, a viabilidade do réu, mesmo diante da revelia, poder produzir provas contrapostas às alegações do autor. Essa situação já era permitida pela jurisprudência, inclusive com respaldo no enunciado 231 da Súmula do STF e que agora passa a contar com menção expressa do ordenamento legal.

Portanto, da análise da sistemática do código de processo civil, não é possível afirmar que um processo em que exista revelia, ao réu tornará impedido, no processo, de influir eficazmente o julgador. Na verdade, a permissão para o réu revel produzir provas – se presente no processo em tempo útil para tal – leva em consideração que as presunções relativas (e o efeito da presunção de veracidade das alegações do autor nada mais é do que uma presunção relativa) não deve se sobrepor a possibilidade de se estabelecer um juízo de certeza, em cognição exauriente. Assim, se o réu revel se apresenta no processo em tempo de requerer produção de prova para contrapor as alegações firmadas pelo autor, deve-lhe ser permitido a utilização de todas os meios de prova, sem ter que levar em consideração a sua pertinência, eis que essa consideração redundaria em aplicação de um subjetivismo que escapa ao sistema dialético proposto pela concepção moderna de processo.

Nos próprios precedentes que originaram a redação do enunciado 231 do STF, se admite, inclusive o requerimento de prova pericial, de modo a retratar a preocupação em busca do convencimento eficaz, de uma decisão que, efetivamente “resolva” a questão posta. A presunção relativa não pode ser mais forte do que a possibilidade de vir aos autos a certeza das alegações. A simples ausência da contestação não significa necessariamente um comportamento indiferente, omisso ou desidioso do réu, que continua sendo parte no processo, podendo, portanto, influir eficazmente na convicção do juiz.

A incorporação do entendimento jurisprudencial no texto legal se fez, sem qualquer restrição ao meio de prova, devendo ainda ser admitida não apenas aquelas pré-constituídas e documentadas, como também aquelas que dependem de produção no processo (como a pericial, por exemplo). A única restrição é em relação ao objeto probatório, que deve se limitar a contraposição das alegações firmadas pelo autor. Isto porque, caberia ao réu, ter trazido aos autos alegações novas através da contestação (que não foi apresentada).

Não cabe, portanto, ao julgador, diante da revelia, indeferir o pedido feito pelo réu revel de produção de provas pela simples fundamentação de “pertinência” ou de “complexidade” da causa. Isto porque, somente a produção da prova em si mostrará a pertinência ou a complexidade de uma questão que, à primeira vista poderia até não representar maiores discussões. Não há de se falar, no caso, em ofensa da celeridade processual, uma vez que esta é princípio (cogente) subordinada a efetividade da jurisdição. Processo deve demorar o tempo exato para se chegar a uma conclusão madura sobre a lide. A revelia não impõe o processo ter que durar mais ou menos do que o necessário. A celeridade a qualquer custo, medida unicamente por critérios temporais não representa a jurisdição, mas sim a pura preocupação quantitativa, desprezando por completo a responsabilidade do ato de julgar.

Apresentado, portanto, em tempo hábil, requerimento do réu pela produção de prova, nos termos do art. 349 do CPC, necessariamente deverá haver decisão fundamentada sobre o indeferimento do pedido de provas que não poderá se basear exclusivamente na revelia, pois esta não impede a produção de provas. Assim, deverá agir o julgador como agiria diante do pedido de provas provocado por qualquer das partes e nos limites impostos pelos atuais arts. 369 e 370 do CPC.

Igualmente não se poderá proferir sentença sob o fundamento que o réu não se desincumbiu de provar se este, ainda que revel, apresentou, em tempo hábil, requerimento de prova que não foi analisado ou indeferido anteriormente pelo juiz. Seria, por óbvio um evidente caso de cerceamento de defesa e, portanto, de nulidade.

A jurisprudência tem admitido que o réu revel poderá apresentar o seu requerimento de prova até antes do encerramento da fase instrutória1. Não tendo o art. 349, disposto de qualquer outra forma, parece adequado continuar a ser aceito tal entendimento. Também poderá o réu revel participar da produção e realização de prova requerida pelo autor, devendo ser lembrado que a prova é do processo (e não das partes, independente portanto de quem requer a sua realização). Ainda que o réu revel não tenha feito requerimento de provas, poderá, na hipótese de o autor ter assim procedido, participar ativamente da sua realização e produção.

O processo não é um fim em si mesmo e busca objetivo a ser alcançado com a cooperação dos sujeitos da relação processual. A revelia não representa obstáculo nem reduz este objetivo e por vezes, não se traduz em atalho para a sentença.

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1 RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA.

COMPROVAÇÃO DA POSSE INJUSTA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS ARESTOS CONFRONTADOS. RÉ REVEL. PRODUÇÃO DE PROVAS. PERTINÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.

1. Não há similitude fática entre os arestos confrontados, pois, enquanto no caso dos autos a revelia produziu seus efeitos, em um dos arestos paradigmas o réu não foi declarado revel e no outro foram afastados os efeitos da revelia.

2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, a produção de provas pelo revel depende de seu requerimento antes de encerrada a fase instrutória, da análise de sua pertinência, limitada à desconstituição dos fatos afirmados na inicial. Afastar o entendimento da Corte local, no sentido de ser não o caso de abertura da via instrutória, demandaria incursão no conjunto fático-probatório dos autos, providência que esbarra na censura da Súmula 7/STJ.

3. Recurso especial não conhecido.

(REsp 734.328/RN, rel. ministro Raul Araújo, 4ª turma, julgado em 18/11/14, DJe 18/12/14)

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONVENÇÃO. AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO. REVELIA. PRESUNÇÃO RELATIVA. PRODUÇÃO DE PROVAS.

POSSIBILIDADE. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA.

1. A revelia, que decorre do não oferecimento de contestação, enseja presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial, podendo ser infirmada pelos demais elementos dos autos, motivo pelo qual não acarreta a procedência automática dos pedidos iniciais.

2. A decretação da revelia com a imposição da presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na petição inicial não impede que o réu exerça o direito de produção de provas, desde que intervenha no processo antes de encerrada a fase instrutória.

3. No caso, a apresentação de reconvenção, ainda que sem o oferecimento de contestação em peça autônoma, aliada ao pedido de produção de provas formulado em tempo e modo oportunos impedia o julgamento antecipado da lide.

4. Recurso especial não provido.

(REsp 1.335.994/SP, rel. ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª turma, julgado em 12/8/14, DJe 18/8/14)

Artigo publicado originalmente no portal Migalhas.

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